Sobre dor de cabeça ,esqueça tudo o que você já ouviu sobre enxaqueca e outros tipos de cefaleia: as marteladas no cérebro são apenas a ponta do iceberg de uma doença que mexe com o corpo, causa incapacidade e abala o bem-estar.
A boa noticia é que uma nova classe de remédios promete revolucionar o tratamento e aumentar as chances do tão sonhado controle das crises.
Zeus, a divindade numero I da mitologia grega, temia que a filha que teria com a deusa da prudência, Métis, se tomasse mais poderosa que ele.
Para evitar esse problema, resolveu engolir sua companheira ainda grávida. A atitude não surtiu efeito: a gestação continuou normalmente e, na hora do parto, Zeus sentiu uma dor de cabeça excruciante.
A única maneira de acabar com o suplício foi pedir ajuda a Hefesto, o deus do fogo e da metalurgia, que desferiu um golpe de machado direto na Cuca de seu superior – por favor, não tente fazer isso em casa! Da rachadura que se abriu nasceu Atena, a deusa da sabedoria.
Descendo do Olimpo ao nosso mundo real, a dor de cabeça é a mais democrática das chateações.
Estima-se que 94% dos homens e 99% das mulheres já sentiram (ou ainda vão sentir) essa a desagradável ao menos uma vez na vida.
Na maioria dos casos, trata-se apenas de um sintoma de outra encrenca, que pode ser uma gripe, uma intoxicação alimentar ou ate quadros graves, como tumores e meningites.
Mas numa parcela considerável de pessoas esse incomodo é uma doença em si: falamos daqueles 15 a 30% da população que sofrem com a enxaqueca, a cefaleia do tipo tensional ou outras manifestações de algum descontrole no sistema nervoso central.
Engana-se quem pensa que essa seja uma dor que vai embora com um analgésico qualquer.
Posso falar com conhecimento de causa nas poucas vezes em que tive crises de dores de cabeça e enxaqueca, fiquei totalmente paralisado, deitado num quarto escuro e silencioso enquanto a cabeça latejava.
No dia seguinte, sentia uma náusea das bravas e todo o corpo estava dolorido. Imagino como deve ser a vida daqueles que passam por essa experiência vários dias no mês… “Segundo a Organização Mundial da Saúde, uma crise forte é tão incapacitante quanto um quadro de psicose ou uma paraplegia”.
Uma pesquisa feita pela farmacêutica Novartis em parceria com a Aliança Europeia para Enxaqueca e Cefaleia, ouviu 11 mil pessoas com enxaqueca em 31 países, incluindo o Brasil.
Dos 851 cidades entrevistados por aqui, 45 afirmaram que tiveram uma redução na produtividade após o inicio das crises e 17% precisaram faltar no trabalho durante os picos de dor.
O levantamento ainda mostrou que 82% sentem prejuízos na vida social 50% desistiram de atividades diárias e hobbies – você confere outros números do levantamento ao longo do artigo.
“Fora isso, há aquele estado de tensão e ansiedade constantes sobre quando será a próxima crise”.
Apesar de ela ser tão popular e corriqueira pouca gente reconhece a condição como uma doença genética e hereditária.
“Existe sempre uma explicação para aquela dor, um dia é a menstruação, no outro e uma taça de vinho, depois é a falta de sono.”, conta o neurologista Joao José de Carvalho, da sociedade Brasileira de Cefaleia.
De desculpa em desculpa, o problema é empurrado com a barriga indefinidamente .
Em um estudo que fizemos, há uma demora de cinco anos para procurar o primeiro médico e uma década até chegar a um especialista, é tempo demais convivendo com algo tão debilitante.
Para piorar pouca gente sabe que a Enxaqueca, o tipo mais impactante, vai além da dor.
Os sintomas começam 48 horas antes da crise e não envolvem apenas as pontadas na cabeça, mas alterações na visto e na audição, enjoo, vômitos e até vontade excessiva de comer doces.
Quando essa lista de sintomas dura mais de 15 dias no mês, a enfermidade já é considerada crónica e exige uma intervenção quanto antes. “A noticia boa é que hoje entendemos melhor o mecanismo por trás desse fenómeno e temos ferramentas para contra-atacar”, diz a neurologista Thais Villa, da Universidade Federal de São Paulo.
OS TIPOS DE DOR DE CABEÇA
Cada cefaleia tem suas características próprias. Veja as diferenças:
ENXAQUECA
As pontadas são fortes e vem em pulsos constantes, geralmente só de um lado da cabeça. Os sintomas se iniciam até dois dias antes da crise, que dura de quatro a 72 horas. Depois que a pior passa, enjoo, náuseas e vómitos dão as caras. Não raro, aparece uma exaustão profunda.
EM SALVAS
Rara, afeta um em cada mil indivíduos. Cerca de 85% dos acometidos são homens .A principal característica esta nos surtos, que se prolongam por um a três meses. Junto com a dor, ocorrem lacrimejamento, rubor na face, nariz entupido agitação.
TENSIONAL
A intensidade vai de fraca a moderada. Costuma se parecera a um aperto constante no cérebro e, na maioria das vezes atinge os dois hemisférios .Surge no fim da tarde e esta relacionada a uma tensão ou a um nervosismo além da conta.
CEFALEIAS SECUNDÁRIAS
O incomodo na cuca é um sintoma associado a outros males, quando essa sinal traz em paralelo rigidez na nuca, dificuldades de raciocínio ou irritações de pele, é importante procurar um serviço de emergência rápido.
Avanços recentes da ciência permitiram o desenvolvimento dos primeiros medicamentos específicos para o controle da enxaqueca O primeiro è o erenumabe, da Novartis, que ganhou aprovação da Agencia Nacional de Vigilância Sanitária em março de 2019. Em agosto, quem recebeu sinal verde foi o galcanezumate, do laboratório Eli Lilly.
Em breve veremos a chegada de duas outras opções o fremanezumabe (Teva), já liberado nos Estados Unidos e o eptinczumabe (Alder Biopharmaceuticals), ainda em pesquisa. “Os estudos que embasaram o erenumate mostraram uma redução de aproximadamente 50% dos episódios de crise em metade dos voluntários”, destaca o imunologista Lauis loesha, diretor médico da Novartis.
Parece ser consenso entre os experts que essa nova da farmacológica representa uma evolução na neurologia: até então, não existia nenhum remédio capaz de agir na raiz do problema.
Essa novidades atuam especificamente num tal de peptídeo relacionado a gene da calcitonina, ou CGRP para facilitar. “Diversos trabalhos demonstraram que durante as crises, essa molécula esta elevada na circulação sanguínea. A partir dai, começa-se a desenvolver maneiras de controlar esse processo”.
Até agora, a única possibilidade de controlar as dores de cabeça mais fortes era recorrer a medicações emprestadas de outras enfermidades.
Os médicos prescreviam remédios fabricados originalmente para combater hipertensão, depressão ou epilepsia.
O grande, porém: esses comprimidos precisam se tomados uma vez ao dia e podem provocar alguns efeitos colaterais indesejados, como ganho de peso.
O resultado disso é que menos de um terço dos pacientes continuava no tratamento apos um ano, “Como os novos medicamentos são aplicados por meio de injeções uma vez ao mês, a taxa de abandono deve ser bem menor aposta a neurologista Luciana Bahia, gerente médica da Eli Lilly”.
UM MIX DE SINTOMAS
Não é só dor: a enxaqueca tem um monte de manifestações desconhecidas.
BOCEJAR DEMAIS
Parece fadiga e falta de sano, mas abrir a boca a toda hora já sinaliza o inicio do desiquilíbrio cerebral.
VONTADE DE COMER DOCES
É uma ânsia quase incontrolável de devorar sobremesas especialmente chocolate.
VISAO TURVA
São manchas no foco dos olhos. Duram uns 20 minutos antes da crise. Ocorrem om um quarto dos enxaquecosos.
SEDE EXCESSIVA
Aparece junto com a fome. A necessidade de beber água ou outros líquidos e constante.
XIXI EM EXCESSO
Quem toma goles a mais, vai precisar ir ao banheiro a toda hora concorda?
ALTERAÇÕES AUDITIVAS
Zumbidos e estalos que atrapalham a capacidade de ouvir podem anteceder em minutos a dor forte e pulsátil.
Os novos medicamentos estão indicados para os casos mais intensos, em que ocorrem quatro ou mais crises durante o mês.
A proposta é que eles controlem esses quadros e diminuam aos poucos o número de episódios mensais.
Mas os progressos não param por ai: algumas pesquisas caminham a passos largos na criação de um comprimido especifico para o momento das crises.
O mais avançado nesse quesito é o rimegepant, do laboratório Biohaven Pharmaceuticals, que também atua sobre aquela molécula em alta, a CGRP.
Nos testes finais, ele foi capaz de atenuar as pontadas num numero significativo de voluntários. É preciso agora aguardar a decisão das agencias regulatórias para ver quando ele chegará às farmácias.
Aos poucos, O arsenal contra essa doença se amplia e aumenta as esperanças de milhões de enxaquecosos espalhados pelo mundo.
No meio de tantos recursos terapêuticos estreantes, não da pra se esquecer de um que já está disponível há alguns anos e funciona numa parcela dos pacientes a toxina botulínica. “As injeções de Botox indicadas para quem tem mais de 15 crises ao longo de um mês, paralisam nervos envolvidos com o processo’’”.
Claro que os analgésicos comuns, desses que a gente compra livremente nas drogarias, tem um papel a cumprir também.
Quando a cefaleia é pontual e não esta relacionada a outros sintomas, esses fármacos são excelentes opções para trazer alivio sem precisar correr ao pronto-socorro mais próximo.
Só preciso ter cuidado com o abuso: tomar esses remédios de forma repetida e sem critério representa um perigo dos grandes. Pra começar, o excesso prejudica o funcionamento dos rins. “Além disso, o exagero faz a medicação perder seu efeito e a dor se perpetuar em crises mais frequentes e severas”.
QUANDO A DOR DE CABEÇA PONTUAL FICA CONSTANTE
Conheça os fatores e comportamentos que fazem as cefaleias se tornam frequentes:
SER MULHER
O público feminino apresenta enxaqueca crônica com muito mais frequência que o masculino. Não se sabem os motivas exatos disso.
OBESIDADE
O excesso de peso torna mais difícil o combate ao aperto na cuca. Fatores hormonais parecem estar envolvidos nessa relação.
BAIXO PESO
Quando o índice de massa corporal (IMC) está abaixo de 19, a probabilidade de a doença se manifestar vários dias fica elevado.
DEPRESSÃO
A tristeza profunda motiva dores de cabeça. O inverso também acontece à enxaqueca grave faz subir o risco de sofrer com a melancolia.
TRANSTORNOS DE HUMOR
O mesmo raciocínio da depressão se aplica a ansiedade. Bipolaridade e outros distúrbios psiquiátricos.
EXAGERAR NOS ANALGÉSICOS
Eles ate desanuviam a cabeça na hora, mas errar na dose trás o feito rebote: experiências dolorosas mais fortes.
Oito em cada dez pessoas com dores de cabeça frequentes tomam mais analgésico do que o recomendado pelos médicos
Em paralelo ao tratamento com os remédios, o profissional de saúde costuma indicar uma série de recomendações e mudança no estilo de vida.
” Essencial manejar o estresse, se alimentar bem, respeitar as horas de sono e praticar exercícios”.
Durante as consultas, o médico vai investigar a rotina do paciente para encontrar comportamentos e padrões que impactam a saúde e podem contribuir de alguma maneira para o desequilíbrio do sistema nervoso. Logicamente, Intervir nesses quesitos é um primeiro passo para a melhora.
Na parte da dieta, por exemplo, o principal é evitar longos período de jejum, que podem ser um gatilho para o inicio das crises.
Fazer alguma atividade física de rotina também é uma ótima maneira de balancear o cérebro. “Em alguns casos, o acompanhamento com psicólogo ou o psiquiatra ajuda a detectar aflições emocionais e os melhores meios de dissolvê-las”.
Reservar momentos de lazer e descanso na agenda é outro ponto que não pode ficar de fora da luta contra as dores na cabeça.
A mensagem que queremos passar e gostaríamos que ficasse clara para todo mundo e: se você tem três ou mais episódios de qualquer intensidade durante o mês, procure um médico.
Não importa quantas explicações você tenha para justificar esse incomodo, até porque, como você vê, é possível, sim, amenizar as crises.
E tudo se inicia com um diagnóstico preciso, feito por um médico que entende do assunto.
Uma cabeça leve e livre de pontadas esta ao alcance de todos , não é necessário ser nenhum deus grego (ou recorrer a artifícios da pesada para alcançar esse objetivo).
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